sábado, 25 de setembro de 2010

gótico ocidental x lolita - II

Continuando com a nossa experiência de crossovers! Como dito no post anterior, o tipo sobre o qual vamos tratar aqui agora será o Victorian Goth.

Bom, o próprio nome já diz, não é? Victorian Goth é uma das várias manifestações do neovitorianismo, isto é, o revival recente da estética da Era Vitoriana, período do século XIX em que a Rainha Vitória imperou sobre a Inglaterra e todo o imenso Império Britânico da época. Poderíamos até dizer que Lolita, ou mesmo Natural-kei, tem raízes neovitorianas, tal qual Steampunk e algumas das tendências recentes da moda mainstream.

Aliás, a Era Vitoriana desde o princípio foi uma grande influência sobre a subcultura gótica, graças à morbidez que impregnava o zeitgeist daqueles tempos. O que faz, no entanto, com que Victorian Goth precise ser tratado sozinho num post?

Como "vitoriano" é simplesmente tudo aquilo que se refere ao período, acaba sendo um termo que agrega uma série de adjetivos a seu significado. Claro que alguns aspectos estéticos são de certa forma universais – é impossível pensar em roupas vitorianas sem pensar em bustles, cartolas, camafeus, botas de amarrar ou polainas de botões. Mesmo assim, essa série de adjetivos já faz com que o próprio Victorian Goth seja bastante variado, conforme a característica intrínseca a "vitoriano" que o indivíduo deseja ressaltar.

Para mim, há três dessas características que são fundamentais, e são elas que detalharei agora.


Austeridade


A sociedade Vitoriana era um tanto quanto obcecada com a moral e os bons costumes, e era recatada ao ponto de reprimida. Na indumentária, isso se refletia nos trajes que não deixavam um centímetro descoberto a partir do pescoço, de silhuetas que iam ficando cada vez mais streamlined – ainda que o traje em si fosse complexo – conforme o tempo avançava.

Some-se isso com uma obsessão pela morte e o falecimento do Príncipe-Consorte Albert, e você tem uma sociedade que fez do ritual do luto um fenômeno na moda principalmente entre a classe alta burguesa, com listas de cores e materiais que a viúva deveria usar em cada fase do luto. Imagine quantas delas não puseram arsênico no Earl Grey de seus maridos para poder participar da onda que a Rainha lançou?

Essa austeridade é uma influência óbvia em Gothic Lolita e principalmente Aristocrat, ambos estilos que primam pelo recato. Ela se reflete no uso de blusas de gola alta, no corpo todo recoberto e na preferência por tecidos opacos – viúvas na primeira fase do luto não podiam usar tecidos suntuosos. Assim, um crossover cairia perfeitamente dentro do espectro Lolita, e é fácil emular o estilo com peças do Atelier Boz, da Moi-même-Moitié e Mille Noirs e acessórios da Triple Fortune.






Preferi aqui usar uma abordagem mais Aristocrat. O cerne da roupa, de saia, blusa e blazer, é todo do Atelier Boz, com a Triple Fortune contribuindo pro chapéu. A joalheria de luto era tão modesta quanto as roupas – só era permitido às viúvas usar jóias de azeviche, uma espécie de carvão mineral. Para não ficar tão vazio, dei um toque romântico: um colar de relicário. Quem sabe se a viúva não carregava um daguerreótipo, uma pintura ou mesmo uma mecha de cabelo de seu esposo dentro dele? Para quem não deseja ir tanto pelo caminho do luto, outra forma de ter essa severidade no visual é adotando materiais sóbrios como o da alfaiataria masculina, feito um tweed cinza ou mesmo a risca-de-giz.

Para maquiagem, há quem prefira autenticidade: os vitorianos valorizavam o rosto limpo e fresco, com a palidez "natural" que o surto de tuberculose conferia. A maioria prefere fazer logo um visual gótico de uma vez. Uma sugestão é se inspirar numa extrapolação do look tuberculoso – mas nada de Minâncora pancake na cara! Isso não fica bem em ninguém fora de photoshoots mais teatrais. Respeite seu tom de pele e trabalhe a partir daí.



Opulência/Decadência


Apesar de tamanha fixação pela morte, a Era Vitoriana foi uma época de prosperidade e de muitos avanços em diversas áreas. Isso se dá porque o reino de Vitória coincidiu com a época da Segunda Revolução Industrial, ou Revolução Tecnológica. O uso do carvão como combustível, a melhora do motor a vapor e, principalmente, a introdução da divisão do trabalho nas indústrias contribuíram para um aumento surpreendente na produtividade, em particular – adivinhem! – na indústria têxtil. Essa época também viu a manufatura do primeiro pigmento sintético, a mauveína (roxo vívo), o que deu o pontapé para uma série de outros pigmentos artificiais.

Naturalmente, meio a tal fartura nunca antes vista, existia quem não via problema algum em simplesmente aproveitar. Contrastando com o recato da mainstream vitoriana, havia uma boemia hedonista, associada a diversos movimentos artísticos, tais quais o Esteticismo britânico e o Simbolismo francês. Muitos de seus precursores se auto-declaravam Dandies – isto é, pessoas para quem a estética e a expressão individual eram importantes acima de tudo, e tudo que se praticava era em busca do bem-estar pessoal (soa familiar?) –, e graças a isso, críticos taxavam tais movimentos de decadentes. Sabem o Parnasianismo brasileiro? A abordagem ars gratia artis vem daí. Não preciso nem dizer que um dos maiores expoentes entre os Decadentes era Oscar Wilde, não é? E fica aí uma citação dele para inspirar vocês:

"O indivíduo deve ou ser uma obra de arte, ou vestir uma obra de arte."

E como aplicar isso a Gothic Lolita? O segredo é não ter muito medo de exagerar. Mistura de materiais é essencial, então abuse das rendas, brocados, adamascados, dos veludos, das sedas, das pedras preciosas e das penas e cores ricas; adorne-se! Este não é um estilo para os minimalistas. Vários artistas do Visual Kei, aliás, já fazem uso disso, sendo Kaya o mais notório deles. Quanto a marcas? Acredito que a Excentrique, a Mille Fleurs/Noirs, o Atelier-Pierrot e até mesmo a Juliette et Justine sejam úteis. Consigo enxergar mesmo peças da Alice and the Pirates se encaixando no visual. E por que não a excêntrica Kikirara Shoten?





Espartilho da Kikirara Shoten; Saia – ou parte dela – do Atelier-Pierrot, blusa da Juliette et Justine. Um destaque para as polainas criadas pela fantástica Maide! Essa mulher consegue fazer arte de coisas como polainas. Aliás, reparem que eu não me limitei a só uma cor aí. Eu preferi usar duas cores análogas no esquema (vinho e púrpura), usando as cores do espartilho como base. Para a maquiagem, também não se pode ter medo de exagerar. O look é teatral, sim, e inclusive pede cílios postiços, apesar de não ser historicamente correto.



Curiosidade/Bizarro


Tenham em mente, porém, que as características anteriores ecoam as tendências de uma elite, social e intelectual respectivamente. E os estratos menos favorecidos da sociedade, com o que ficavam? Além da poluição da fuligem de carvão e da sífilis, é claro.

A resposta é: eles se entretinham com toda essa morbidez. O culto à morte não era exclusivo das viúvas burguesas, e as classes média e baixa da sociedade vitoriana adicionavam um elemento de vulgaridade delicioso a ele. Assim, ao invés de rituais elaborados de luto, tínhamos fotografias post-mortem, execuções públicas, bonecas feitas com crânios de abortos, a fascinação pela Praga Negra e seus peculiares Doutores, e – como poderíamos esquecer? – o furor por histórias como a de Jack, o Estripador, que se elevaram ao status de lendas urbanas. Sabem Sweeney Todd? O apelo é exatamente esse.

Além disso, havia definitivamente um interesse maior por tudo aquilo que era anormal. Os famigerados circos de aberrações, com suas mulheres barbadas, gêmeos siameses, pessoas tatuadas da cabeça aos pés, entre tantas outras peculiaridades, são reflexo direto disso. Gigantes e anões eram tratados como celebridades; portadores de deformidades causadas por reprodução congênita eram como tigres em um zoológico. Céus, manicômios eram como zoológicos. Aliás, o paranormal também se aplica. Exorcismos, poltergeists, videntes como atração secundária de circos, ocultismo... Esse aspecto em particular ganhou mais força após a virada do século, entretanto.

E não preciso sequer falar do efeito que os avanços nas ciências tiveram em tudo isso, não é? O desenvolvimento da Química viu o surgimento de diversos remédios que prometiam milagres (a Coca-Cola surgiu daí!), entre eles os narcóticos. E anatomistas regozijaram quando em 1895 foram descobertos os Raios X.

Se eu me demorar enumerando tudo que havia de bizarro na Era Vitoriana eu não termino nunca, não é mesmo? Acredito que aplicar tudo isso a Gothic Lolita seja uma das coisas mais divertidas que há. Podemos pegar como inspiração, inclusive, alguns trabalhos do Tim Burton, a miscelânea de Madame Talbot e os visuais mais atuais da Emilie Autumn. Juntando o bizarro com elementos anatômicos e taxidérmicos, acabamos com algo que pode se equilibrar entre o Gothic, o Guro e até um pouco do Dolly-kei, se optar por pôr mais cor.

Victorian Goth x Lolita


Saia e bolero da Lapin Agill, com blusa listrada pela Retroscope Fashions. O destaque maior vai pros acessórios, que dão o toque mórbido ao set, em especial o espartilho da talentosa Louise Black. Para maquiagem? Acredito que tons mais cinzentos, feito a paleta de cores de Tim Burton, ajude bastante a complementar o visual, mas ultimamente tudo vai depender do esquema de cores da sua roupa.



Apesar de eu só ter tratado esses três aspectos, ainda há muito a se explorar dentro da estética Victorian Goth. Uma dessas coisas é o Steampunk, mas ele é uma categoria tão própria que é melhor tratar dele sozinho outra hora. E lembrem-se: as coordinations que eu posto aqui são somente sugestões, e foram feitas de acordo com o meu gosto. Tenho certeza de que outros fariam algo muito diferente a partir dos mesmos elementos.

No próximo post, eu devo tratar de Vampire Goth e Cabaret Goth. Até mais!

6 comentários:

  1. Post maravilhoso, deu pra ver que deu trabalho. Difícil ver uma riqueza de detalhes tão grande em blogs lolita. E eu já sou fã da era vitoriana, então...

    Mas tenho que admitir que o segundo coordinate, o colorido, é o meu preferido.

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  2. Vampire Goth! *O* Um dos meus favoritos junto com o Victorian Goth. *-*
    Eu gostaria ver você escrever sobre o Steampunk, estava pensando em fazer isso no meu blog, mas tem tanta coisa misturada dentro dele que não valeria tanto a pena (tem tantos blogs escrevendo sobre lolita... fora que é mais um blog pessoal e critico do que voltado para um tema especifico. Lá sobre lolita só vou me reter a escrever coisas básicas), fora que não tenho o conhecimento suficiente para isso.
    Muito boa postagem, adorei ler, você explica muito bem, sério! XD

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  3. @ Sielant:

    Obrigada, Niisu! E olha que eu não falei tudo que eu poderia ter falado. :~ A Era Vitoriana (e a Belle Époque, a Era Edwardiana...) é muito, muito rica de influências. Acho que se o pessoal se dedicar a pesquisar, pode montar muita coisa fantástica.


    @ AnneKira: Obrigada mesmo! ^_^ Fico feliz que meus textos sejam fáceis de entender, às vezes eu acho que me enrolo demais, haha!

    Steampunk eu devo abordar quando eu terminar essa série, já que há muitas maneiras de se aplicá-lo. Também acho um tema muito interessante, mas muito fácil de se errar. :x

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  4. O que me fascina a respeito da era Vitoriana é que, quanto mais aprendo sobre ela, mais acho que a época em que vivemos é muito parecida... Não pela austeridade, mas a decadência e o culto ao bizarro estão aí firmes e fortes, ainda que tenham tomado outras formas 8D

    Novamente, ótimas explicações, gostei muito de como você optou por falar sobre o "espírito" da época, em vez de apenas questões estilísticas, como que formatos de roupas e tecidos eram usados.
    E ótimos outfits, é claro! CARA, a última combinação - eu tenho uma verdadeira tara por esse corset da Louise Black *_* Também adorei o uso de cores na terceira combinação, ficou muito interessante.

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  5. Muito legal o seu blog! Estou seguindo. Adorei!

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  6. Seus posts são realmente maravilhosos!
    Parabéns pelo blog!

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